Elaboração e Publicação de Revisões Sistemáticas: Por Onde Começar?

A principal razão das pesquisas é avançar no conhecimento e melhorar a vida das pessoas. Para alcançar esse objetivo, é necessário que os resultados sejam disponibilizados para a comunidade científica e para os profissionais de saúde. Publicar um artigo científico, portanto, vai muito além de uma meta acadêmica. Para muitos pesquisadores, as publicações são determinantes para a permanência como docente em programas de pós-graduação, para a aprovação em editais de financiamento e para o avanço na carreira acadêmica.

Assim, transformar uma ideia de pesquisa em um artigo aceito é essencial e necessário, muito embora seja desafiador. Muitas vezes, o obstáculo entre a conclusão da pesquisa e sua publicação não está na falta de esforço, mas na falta de orientação sobre como conduzir o processo de condução da pesquisa.

O que é imprescindível: método científico rigoroso descrito com clareza

O ponto de partida é ter em mente que a pesquisa deve seguir um método científico rigoroso que seja descrito, na forma de artigo com clareza. Seja na pesquisa laboratorial, clínica ou de revisão, o rigor metodológico é indispensável. Este rigor protege a verdade científica dos erros que podem levar a conclusões enviesadas e a decisões que ao invés de benefício podem causar mais dano. Quando bem conduzidas, as revisões sistemáticas representam o tipo de evidência mais relevante para responder a perguntas de pesquisa, especialmente na área da saúde.

Seguindo critérios metodológicos claros e bem documentados, elas permitem reunir e analisar todos os estudos disponíveis que respondem a uma questão clínica específica, filtrar a qualidade da evidência por meio da análise do risco de viés e, quando possível, sintetizar estatisticamente os resultados para oferecer respostas mais precisas para a tomada de decisão. No entanto, poucas pessoas aprendem a fazer esse processo de forma prática, sem depender exclusivamente de consultorias ou de ferramentas caras e pouco acessíveis.

Tudo começa com uma boa pergunta de pesquisa

É a pergunta de pesquisa que orienta todas as fases da revisão sistemática e, por isso, precisa ser formulada com clareza e propósito. Além de relevância científica e clínica, deve delimitar o escopo de investigação e ser viável no contexto do pesquisador. Infelizmente, esse passo inicial é frequentemente negligenciado, a ponto de alguns autores não terem clareza do foco real de sua revisão.

Identifique o problema e rascunhe sua pergunta preliminar

Antes de escrever a pergunta, é preciso identificar um problema relevante a ser investigado. Normalmente, ele nasce de uma dúvida clínica, seja sobre um método diagnóstico, um tratamento ou conduta para determinada condição em saúde, a investigação de fatores etiológicos ou a análise de questões polêmicas em que a literatura apresenta resultados divergentes. Vamos pensar em um problema clínico na área odontológica: a cárie dental.

Uma vez definido o problema, deve-se determinar qual aspecto específico será estudado. Nesse momento inicial, a ideia pode ser registrada de forma simples e direta. Por exemplo: “Qual a relação entre o flúor e a cárie dental?”. Embora essa pergunta já represente um afunilamento do tema, ela ainda é genérica e precisa ser refinada para orientar uma revisão sistemática. A especificação do foco é essencial.

Qual será o foco do estudo?

Agora é preciso especificar qual aspecto da relação será investigado. Se o objetivo for avaliar o efeito do flúor no tratamento de lesões de cárie já existentes, a resposta provavelmente será encontrada em ensaios clínicos randomizados. Se a intenção for investigar o efeito preventivo do flúor na redução da incidência de cárie em crianças ao longo de cinco anos, também serão necessários ensaios clínicos, possivelmente de longo tempo de acompanhamento. Já se a meta for estudar o risco de desenvolver cárie em populações com diferentes níveis de exposição ao flúor na água de abastecimento, estudos observacionais, como coortes ou levantamentos transversais, serão mais indicados.

Defina o formato da pergunta de pesquisa (PICO/PECO)

A partir dessa definição, é possível estruturar a pergunta de pesquisa de forma padronizada. Para questões relacionadas a tratamento, o acrônimo PICO é amplamente utilizado, representando População ou Paciente (P), Intervenção (I), Comparador ou Controle (C) e Desfecho (O, de outcome). Em variações como PICOS ou PICOT, acrescentam-se elementos referentes ao desenho do estudo (study design, S) ou ao tempo de acompanhamento (T). Por exemplo: Pastas fluoretadas com concentração acima de 1100 ppm de flúor (intervenção), comparadas a pastas com 1100 ppm (comparador), reduzem o índice CPO-D (desfecho) em três anos (tempo) em adultos com deficiência cognitiva e motora (população)? 

Para estudos observacionais, a adaptação mais comum é o acrônimo PECO, substituindo a intervenção (I) pela exposição (E), pois o objetivo é observar a ocorrência de um desfecho em diferentes grupos expostos ou não a um fator de risco. Exemplo: crianças de 2 a 6 anos (população) que vivem em regiões com água fluoretada (exposição) apresentam prevalência de cárie (desfecho) menor que aquelas que vivem em regiões sem fluoretação da água (comparador)?

Outros formatos de perguntas de pesquisa

Além do PICO, do PICOT e do PECO, existem outros formatos de estruturação de perguntas de pesquisa adequados a diferentes tipos de estudo. Para revisões sistemáticas que buscam responder questões sobre diagnóstico, é comum utilizar o acrônimo PIRD (População, Índice ou teste avaliado, Referência-padrão e Desfecho), que orienta a comparação de um teste diagnóstico com o padrão de referência. Em pesquisas sobre etiologia ou fatores de risco, além do PECO, pode-se empregar o PEO (População, Exposição e Outcome), especialmente útil para estudos qualitativos ou exploratórios. Já para estudos de prognóstico, o formato PICOT pode ser adaptado para enfatizar o tempo de seguimento e os desfechos esperados. Em revisões sistemáticas de estudos qualitativos, é frequente o uso do SPIDER (Amostra, Fenômeno de interesse, Desenho, Avaliação e Tipo de estudo), enquanto para revisões de escopo recomenda-se o PCC (População, Conceito e Contexto). Escolher o acrônimo mais adequado ao tipo de pergunta garante maior foco metodológico e facilita a definição dos critérios de inclusão dos estudos.

Considerações finais

Com uma pergunta bem estruturada, a revisão sistemática começa com uma base sólida, capaz de guiar todas as etapas seguintes de forma lógica e consistente. Esse cuidado inicial aumenta as chances de execução de uma pesquisa rigorosa, já que serve de guia para todos os outros passos metodológicos de uma revisão sistemática. Isso por sua vezaumenta suas chances de publicação, pois demonstra rigor metodológica. Em última análise, a combinação de um problema bem definido, de uma pergunta de pesquisa estruturada e de um método rigoroso é o que transforma uma ideia em um estudo capaz de gerar impacto real na ciência e na prática clínica.